Ausência, segundo Luis Melo
Nos dias 5 e 6 de novembro o ator Luis Melo esteve em Sorocaba apresentando o espetáculo "Ausência" da Cia. Dos à Deux.
Na ocasião, o ator acompanhado pelo curador da Trienal, Josué Mattos, visitou alguns dos espaços expositivos de Frestas (Sesc Sorocaba, Palacete Scarpa, Barracão Cultural e Museu da Estrada de Ferro Sorocabana) e concedeu uma entrevista sobre o espetáculo e a Trienal.
A peça coloca em pauta a solidão no mundo moderno. Como você analisa o roteiro?
Luis Melo: Esse espetáculo é o que existe de mais atual. Há dois anos quando montamos o espetáculo a previsão era a realidade para um 2036, de uma notícia que um asteroide que cairia em Nova York e traria problemas como falta d’água, de luz, de ar, de uma série de coisas, de uma série de ausências, na verdade. Problemas de relacionamento e solidão seriam a consequência de uma crise no mundo, principalmente nas grandes metrópoles. Neste momento estamos vivendo esse caos, em que as pessoas não falam sobre o problema da falta de água. Que cidade vai ser São Paulo? Esse é um problema muito sério, em que as pessoas estão se omitindo inclusive de discutir as consequências que essas ausências provocam. Hoje em dia você vê o clima em São Paulo, no deserto do Saara está mais ameno do que na capital. Então a gente não está fazendo uma previsão para o futuro, na realidade este espetáculo fala do agora. Costumava comparar: as vezes você mora de frente para a Lagoa Rodrigues de Freitas mas tem medo de sair de dentro de casa e do perigo que pode ter lá fora. Mas será que realmente está acontecendo alguma coisa lá fora? Você não sabe se as pessoas criaram esse universo para se defender.
As pessoas ficam o tempo inteiro assim: “Melo você precisa voltar para São Paulo com esse espetáculo, precisamos discutir essa temática do problema do planeta, da água principalmente em uma grande metrópole como São Paulo”. Ninguém mais quer roubar dinheiro, as pessoas querem roubar água. É engraçado mas é uma loucura, daqui a pouco as pessoas vão começar a se degladiar. Na verdade já estão, dentro dos condomínios, existe essa guerra interna e as pessoas começam a se desentender, ficam mais agressivas e intolerantes por uma questão simples: a falta de água no planeta.
Como foram os primeiros contatos com o teatro gestual? Como foi o processo de trabalho para essa linguagem?
LM: Tinha uma admiração muito grande pelo trabalho da companhia desde o primeiro espetáculo que vi que me chamou a atenção pela precisão técnica, pela simplicidade, pela poesia feita através do movimento do gesto sem a utilização da palavra. Era um trabalho que me fascinava muito, então no momento que me convidaram para passar por essa experiência, enfim, nesse projeto do Ausência foi ótimo, você se entrega nas mãos do Artur e do André*, o processo de criação é feito com toda a equipe, a utilização e criação dos objetos, a luz, tudo é testado, nada é pensado com antecedência. A dramaturgia do espetáculo se dá através das improvisações, do tema que está sendo desenvolvido. Ele não é como um texto com roteiro pronto, existe uma ideia que vai sendo criada. Os diretores investem nas pessoas que estão criando, no contato com as técnicas deles, na questão do movimento, da manipulação de elementos que eles te dão para você depois realmente ser um criador dentro do processo e para executar os movimentos.
Como são os bastidores de Ausência? Preparação, ensaios e como são dadas as marcações? Você as cria ou são indicadas pelos diretores?
LM: As músicas foram criadas juntas com o compositor português Fernando Mota. As cenas eram filmadas e mandadas ao Fernando e, como a companhia trabalha com ele há muitos anos, você percebe que existe um diferencial. Os diretores trabalham muito com contagem, porque eles tem, também, a formação em dança e eu não posso contar nada, tem que ser no meu tempo orgânico. Sempre tive facilidade em trabalhar com música, mas essa coisa de saber 1, 2, 3, 4, 5 e 6 não existe para mim. É claro que com tempo e, principalmente, com a temporada longa que tivemos em Paris, deu para retirar muitas coisas que eram necessárias num dado momento - por exemplo uma música - e depois percebemos que estava demais. Você vai se apossando, tornando mais orgânico o espetáculo e num momento em que aquilo ajudava já está atrapalhando. Ausência é um espetáculo aberto, dependendo de onde há uma dificuldade você precisa estar pronto para solucionar as coisas que vão surgindo. Eu sempre falava não tem defeito? Não acontece nada? (risos) Acontece.
Como você avalia o deslocamento da arte contemporânea da capital para o interior?
LM: Acho fundamental tirar dos grandes centros, não que eles não devam existir. É tão agradável ter eventos culturais como bienais, trienais ou mesmo festivais de teatro em locais menores, onde as pessoas saem de um teatro e podem chegar em outro rapidamente, vão à praça e voltam. As pessoas se encontram mais, os deslocamentos são menores, convivem mais. Isso é ótimo para o patrimônio das cidades, que geralmente são espaços que, às vezes, estão em desuso e começam a ser utilizados e regiões que poderiam estar degradadas acabam sendo ocupadas por arte, então retira um pouco da marginalidade desses locais e as pessoas começam a conviver dando uma nova visão, não que você tenha que afastar isso, mas que consiga conviver agregando a arte.
Quando se fala em grandes projetos de artes é melhor que seja afastado, para que as pessoas saiam do universo delas para entrar em um outro, é como o ritual de se arrumar para ir ao teatro ou a uma missa: você prepara um final de semana e vem até Sorocaba e fica dois dias curtindo a programação da trienal.
Como é participar de Frestas – Trienal de Artes?
LM: Acho uma maravilha porque esse ambiente é agradável. Enquanto você esta apresentando o espetáculo sabe que tem outras coisas acontecendo, tem um público direcionado, tem pessoas trabalhando e que podem dar novas referências. Achei bárbaro usarem o Museu Ferroviário em que você vê coisas concretas com interferências de alguns artistas. É sempre um prazer quando tem esses movimentos que são multidisciplinares. As pessoas perguntam: “o cenário é uma instalação?” É uma instalação, como a obra dos Irmãos Guimarães que tem uma formação em artes plásticas, mas tem teatro, tem cinema, enfim.
Melo, fale um pouco sobre o projeto que você está desenvolvendo na sua cidade natal, em São Luiz do Purunã.
LM: É um projeto de residência artística chamado “Campo das Artes” para receber artistas residentes ou desenvolver projetos a longo prazo, investindo muito mais no processo do que no resultado final. É um espaço em que as artes vão conversar e um local de encontro de pessoas criativas que estejam interessadas em processos de criação.
Para você: O que seria do mundo sem as coisas que não existem?
LM: Essa é difícil. (risos) Acho que questão está tão respondida no trabalho da argentina.** Ana Gallardo que apresenta tantas coisas de conhecimento e abre possibilidades para perceber coisas que estão acontecendo, que ainda não estão existindo e precisam existir. Você precisa enveredar por esses caminhos para se manter sempre vivo, já que estamos tendo o privilégio de viver mais tempo que esse tempo realmente aconteça. Você pode aprender com as coisas mais simples, por isso que a obra dela me emociona porque um senhor que cuidou do jardim de outras pessoas a vida inteira poder cuidar do seu próprio jardim é impressionante e passando um conhecimento, discutindo, conversando sobre, de uma forma tão simples e geralmente essas pessoas são descartadas da sociedade. Na verdade as pessoas não conhecem esse outro lado, para uma geração essas coisas não existem, existe o computador, mas não existe esse conhecimento, essa simplicidade. As pessoas tem que voltar a ser simples.
* André Curti e Artur Ribeiro, diretores da Cia. Dos à Deux
** O ator refere-se a obra Ejercicios primarios [Exercícios primários] da artista Ana Gallardo, que está em exposição no Palacete Scarpa, em Sorocaba.
Entrevista e foto: Indiara Duarte/Sesc